O exame chamado FAN, sigla para fator antinuclear, é um teste habitualmente solicitado para os pacientes que estão com suspeita de uma doença de origem autoimune. Normalmente, o sistema imunológico responde à invasão do nosso organismo por germes produzindo um grande número de anticorpos para combatê-los. No entanto, quando uma pessoa tem uma doença autoimune, o organismo inapropriadamente passa a produzir anticorpos contra as células, tecidos e proteínas do próprio corpo, como se estes fossem agentes agressores.
Neste texto vamos abordar as seguintes questões sobre o exame FAN:
- O que é uma doença autoimune.
- O que é o FAN.
- O que significa um FAN reagente.
- Quais doenças costumam ter FAN positivo.
- FAN falso positivo.
Obs: Em Portugal, o exame FAN é chamado de ANA (anticorpo antinuclear).
Doenças autoimunes
Doenças autoimunes são aquelas na qual o nosso sistema imunológico equivocadamente deixa de reconhecer algumas das estruturas presentes no nosso corpo e passa a tratá-las como se fossem germes invasores nocivos à saúde. O resultado desta confusão é a produção dos chamados auto-anticorpos, ou seja, anticorpos contra nós mesmos.
Os auto-anticorpos, ao contrário dos anticorpos normais, não combatem bactérias, vírus, parasitas ou fungos. Eles atacam as nossas células, destruindo-as. As doenças autoimunes podem afetar as células do sangue, pele, articulações, rins, pulmões, sistema nervoso… Fazendo uma analogia, podemos dizer que uma doença autoimune é uma espécie de motim realizado pelas nossas próprias forças de segurança.
Se você quiser saber mais sobre as doenças autoimunes, leia: DOENÇA AUTOIMUNE.
Temos textos específicos sobre várias doenças autoimunes, alguns exemplos:
– LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO.
– ARTRITE REUMATOIDE.
– ESCLEROSE MÚLTIPLA.
– PSORÍASE.
– HIPOTIREOIDISMO (TIREOIDITE DE HASHIMOTO).
– VITILIGO.
– GRANULOMATOSE DE WEGENER .
– SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ.
– SÍNDROME DE SJÖGREN.
O que é o FAN (fator antinuclear)?
O FAN (fator antinuclear) é um grupo de auto-anticorpos descoberto na década de 1940 em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico. Como o próprio nome já sugere, o FAN são anticorpos contra os núcleos das nossas células. O FAN não é um único anticorpo, ele é um conjunto de anticorpos contra diferentes estruturas das células. Existem vários tipos de FAN, cada um deles associado a um tipo de doença autoimune diferente.
É importante salientar que 10% a 15% da população sadia pode ter FAN reagente em valores baixos sem que isso indique qualquer problema de saúde. Não sabemos o porquê deste achado, mas a simples presença de um FAN positivo não é suficiente para o diagnóstico de nenhuma doença.
Exame FAN
Para entender os resultados do FAN é preciso saber como o exame é feito. O assunto é bem complexo, mas tentarei explicar do modo mais simples possível.
O exame de FAN é feito com amostras de sangue do paciente com suspeita de doença autoimune. No laboratório consegue-se identificar todos os anticorpos circulantes neste sangue. Com um corante fluorescente o laboratório marca cada um destes anticorpos. Depois, mistura-se este sangue em um recipiente com uma cultura de células humanas (chamadas de Hep2).
O resultado é o que se vê na foto ao lado. Se houver anticorpos contra estruturas das células humanas, estes irão se fixar às mesmas, tornando-as fluorescentes. Se o auto-anticorpo for contra o núcleo das células, a imagem no microscópio será de vários núcleos fluorescentes. Se auto-anticorpo for contra o citoplasma das células, vários citoplasmas ficarão brilhando, e assim por diante. Se não houver auto-anticorpos, nenhuma parte das células ficará fluorescente, caracterizando um FAN não-reativo.
Os resultados são repetidos após várias diluições do sangue, até a fluorescência desaparecer. Resultados positivos são aqueles que permanecem brilhando mesmo após 40 diluições (resultado 1/40 ou 1:40). Portanto, um FAN reagente 1/40 significa que o auto-anticorpo foi identificado mesmo após diluirmos o sangue 40 vezes.
Como já expliquei antes, até 10% da população possui FAN positivo, geralmente nas diluições menores que 1/80. Isto significa que só são valorizados valores a partir de 1/160. As diluições são normalmente feitas na seguinte ordem: (1/40), (1/80), (1/160), (1/320), (1/640), (1/1280)… Valores maiores ou iguais a 1/320 são muito relevantes e indicam doença autoimune em mais de 97% dos casos.
A partir de agora, você já pode ter uma idéia dos resultados do FAN. Vamos citar alguns exemplos:
1) FAN (Hep2) = Reagente
Título = 1/80
Padrão = nuclear pontilhado fino
2) FAN (Hep2) = Reagente
Título = 1/640
Padrão = citoplasmático pontilhado reticulado
Os dois exemplos acima são de um FAN reagente. O primeiro em títulos baixos, com o núcleo sendo corado com finos pontos fluorescentes. Este primeiro exemplo não necessariamente indica a presença de alguma doença autoimune. O segundo exemplo apresenta um FAN positivo em altos títulos, com anticorpos contra o citoplasma da célula formando uma imagem reticulada.Valores altos assim quase sempre indicam doença autoimune.
Tipos de FAN reagente
Existem mais de 20 padrões diferentes de Imunofluorescência. Cada um descreve o modo como as células humanas foram coradas pelos anticorpos fluorescentes. Alguns padrões são típicos de doenças, como Lúpus, esclerodermia, artrite reumatoide e síndrome de Sjögren. Outros são inespecíficos e podem estar presentes em pessoas normais.
Os padrões mais comuns do FAN e suas prováveis patologias, são:
- Nuclear pontilhado Centromérico = Esclerodermia ou Cirrose biliar primária.
- Nuclear homogêneo = Lúpus, Artrite Reumatoide, Artrite Idiopática Juvenil, Síndrome de Felty ou Cirrose Biliar Primária.
- Nuclear tipo membrana nuclear contínua = Lúpus ou Hepatite autoimune.
- Nuclear pontilhado fino = Síndrome de Sjögren Primária, Lúpus Eritematoso Sistêmico ou Lúpus.
- Nuclear pontilhado fino Denso = Inespecífico, pode estar presente em várias doenças auto-imunes e também na Cistite Intersticial, Dermatite Atópica, Psoríase ou Asma.
- Nuclear pontilhado grosso = Doença Mista do Tecido Conjuntivo, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Esclerose Sistêmica ou Artrite Reumatoide.
- Nucleolar pontilhado = Esclerose Sistêmica.
- Citoplasmático pontilhado reticulado = Cirrose Biliar Primária ou Esclerose Sistêmica.
- Citoplasmático pontilhado fino = Polimiosite ou Dermatomiosite.
É preciso saber interpretar os resultados do fator antinuclear. Um mesmo padrão pode significar várias doenças autoimunes diferentes ou não significar nada.
O FAN precisa ser avaliado junto com o quadro clínico do paciente. É importante lembrar que o paciente é um todo e não apenas um resultado de uma reação química impresso em um pedaço de papel. As associações descritas acima são possibilidades e não fatos consumados. Tenho recebido nos comentários dezenas de pedidos de interpretação de FAN baseados apenas nos seus resultados. O fator antinuclear sozinho não faz diagnóstico de nada. Este é um exame que não dá para ser avaliado à distância.
As doenças mais associadas com fator antinuclear positivo são as doenças autoimunes sistêmicas, como o Lúpus e a Esclerodermia (esclerose sistêmica). O FAN pode ser positivo também em doenças autoimunes restritas a alguns órgãos, como Tireoidite de Hashimoto e hepatite auto-imune.
FAN falso positivo
Como qualquer exame laboratorial, o FAN também pode apresentar falsos positivos. 10% da população saudável pode ter FAN falso positivo, principalmente mulheres e idosos. Algumas doenças ou medicamentos também podem causar um FAN reagente sem que isso signifique a presença de uma doença autoimune. Entre as doenças que podem causar um FAN positivo, as mais comuns são o HIV (leia: SINTOMAS DO HIV | AIDS), mononucleose (leia: MONONUCLEOSE INFECCIOSA | DOENÇA DO BEIJO), linfoma (leia: LINFOMA HODGKIN e LINFOMA NÃO-HODGKIN) e a tuberculose (leia: TUBERCULOSE | Sintomas e tratamento). Entre os medicamentos, os mais comuns são a hidralazina, isoniazida e procainamida.
O que fazer após um FAN positivo?
Uma vez que se tenha um FAN positivo, associado a um quadro clínico que sugira doença auto-imune, deve-se solicitar a pesquisa de auto-anticorpos específicos para tentar definir exatamente com qual doença autoimune estamos lidando. O FAN sugere a presença de um auto-anticorpo, mas não define qual. Por exemplo, um FAN sugestivo de lúpus indica a pesquisa do Anticorpo anti-DNA nativo, que é o auto-anticorpo típico desta doença; na suspeita de Sjögren solicita-se o anticorpo anti SS-A/Ro e anticorpo anti SS-B/La; na Esclerodermia dosa-se o anticorpo anti-centrômero, etc.
Muitas vezes o paciente tem o FAN positivo mas possui os auto-anticorpos específicos, citados acima, negativos. Nestes casos há geralmente duas possibilidades: ou o FAN é falso positivo ou o paciente pode ter uma doença autoimune que ainda não está ativa. O paciente tem os auto-anticorpos mas eles ainda não estão atacando o organismo. Há pacientes com lúpus que apresentam o FAN reagente anos antes da doença se manifestar clinicamente. Há outros, porém, que têm FAN positivo para o resto da vida e nunca desenvolvem nenhum problema de saúde.
Finalizando, o fator antinuclear é um exame inicial na investigação das doenças autoimunes. O FAN sozinho não fecha nenhum diagnóstico. Quando o paciente tem sintomas típicos de doença autoimune, ele ajuda muito. Quando o paciente nada sente, ele mais atrapalha do que ajuda.
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