As síndromes de Gilbert, Crigler-Najjar e Dubin-Johnson são três doenças que ocorrem por uma alteração do fígado de origem genética, interferindo no metabolismo normal das bilirrubinas e levando ao surgimento da icterícia.
Antes de falarmos especificamente sobre cada uma dessas síndromes, uma rápida explicação sobre o que são icterícia e bilirrubinas se faz necessária.
O que são as bilirrubinas e o que causa a icterícia?
Nossas hemácias (glóbulos vermelhos) têm uma vida média de 120 dias. Quando elas ficam velhas, são levadas para o baço onde são destruídas, liberando um pigmento chamado bilirrubina. Este é então transportado para o fígado onde será metabolizado e eliminado nas fezes.
Um dos sinais típicos de doença do fígado é a perda da capacidade do mesmo em metabolizar as bilirrubinas, fazendo com que estas se acumulem no sangue e, posteriormente, se depositem na pele. O excesso de bilirrubina provoca um tom amarelado na pele e nos olhos chamado de icterícia.
Existem dois tipos de bilirrubina: (1) a indireta ou não conjugada, que é aquela que não foi processada pelo fígado, e (2) a direta ou conjugada, que é aquela que já passou pelo fígado mais ainda não foi excretada em direção ao intestino para ser eliminada nas fezes.
A única maneira do corpo eliminar a bilirrubina indireta produzida diariamente pela destruição das hemácias velhas é através da sua conjugação em bilirrubina direta no fígado. Somente a bilirrubina direta consegue ser excretada na bile para ser eliminada nas fezes, impedindo sua acumulação.
A icterícia pode ser causada por acúmulo de bilirrubina indireta quando o fígado não consegue transformá-la em direta ou quando ocorre subitamente uma grande destruição das hemácias, ou direta, quando há alguma obstrução que impeça a eliminação da bilirrubina direta nas fezes. Se quiser saber mais detalhes sobre icterícia e metabolismo das bilirrubinas, sugiro a leitura de ICTERÍCIA NO ADULTO E ICTERÍCIA NEONATAL.
a) Síndrome de Gilbert
A síndrome de Gilbert, também chamada de disfunção hepática constitucional, é uma doença genética que acomete cerca de 5 a 10% da população mundial.
A síndrome de é Gilbert uma doença benigna que não causa maiores problemas de saúde. Ela é causada por um defeito em uma gene chamado UGT1A, responsável pela produção da enzima glucoronil transferase, que por sua vez é responsável pela transformação da bilirrubina indireta em direta. Na síndrome de Gilbert, esta enzima apresenta uma redução na sua atividade em até 80%, acarretando em um acúmulo de bilirrubina indireta no sangue.
Para se ter a síndrome de Gilbert é preciso receber uma cópia defeituosa do gene UGT1A tanto da mãe quanto do pai. Quem recebe uma cópia defeituosa e outra normal, costuma apresentar apenas uma discreta alteração das bilirrubinas e não desenvolve a síndrome completamente. Cerca de 30% da população carrega apenas um gene UGT1A defeituoso e, na maioria das vezes, nem sequer desconfia deste fato.
Sintomas da síndrome de Gilbert
Mesmo naqueles com duas cópias defeituosas do gene, a doença costuma ser assintomática, ou quase. Nestes, os apenas 20-30% de função da glucoronil transferase são suficientes para se manter as bilirrubinas em um nível sanguíneo abaixo dos 3,0 mg/dl, o que não causa uma icterícia facilmente identificável.
Na maioria dos pacientes com síndrome de Gilbert, a icterícia só ocorre em períodos de estresse, como em jejum prolongado, exercícios físicos extenuantes, doença febril (leia: O QUE SIGNIFICA E POR QUE TEMOS FEBRE ?), desidratação, hemólise (destruição anormal das hemácias) ou, em algumas mulheres, durante o período menstrual.
Muitos casos de Gilbert são descobertos acidentalmente através de análises de sangue de rotina para avaliação da função hepática (leia: O QUE SIGNIFICAM TGO, TGP, GAMA GT e BILIRRUBINA?). O paciente nunca se queixou de nada, mas apresenta níveis de bilirrubina indireta acima dos valores de referência. O resto das análises do fígado (TGO, TGP, Fosfatase alcalina e Gama-GT) encontram-se normais.
Consequências da síndrome de Gilbert
Como já foi dito, a síndrome é benigna e não causa maiores problemas de saúde. Na verdade, atualmente se discute se a pequena e constante elevação da bilirrubinas sanguíneas desta síndrome não é um fator de proteção contra doenças cardíacas e alguns tipos de cânceres. O paciente com síndrome de Gilbert vive tanto quanto qualquer outro e com a mesma qualidade de vida.
Tratamento da síndrome de Gilbert
Não há necessidade de se tratar a síndrome de Gilbert, porém, alguns cuidados são necessários. A mesma enzima glucoronil transferase que transforma a bilirrubina indireta em direta, também é responsável pela metabolização de algumas drogas no fígado, como o anticancerígeno Irinotecan e o antiviral Indinavir.
Não há dieta especial, nem nenhum tipo de atividade restrita para quem tem a síndrome. O consumo de álcool deve ser moderado como em qualquer indivíduo (leia: EFEITOS DO ÁLCOOL E ALCOOLISMO).
b) Síndrome de Crigler-Najjar
A síndrome de Crigler-Najjar é outra doença genética causada por defeitos no metabolismo das bilirrubinas, Ao contrário da síndrome de Gilbert que é benigna e relativamente comum, a Crigler-Najjar é muito rara pode levar a complicações sérias. Estima-se que ocorra em 1 a cada 1 milhão de nascimentos.
O mecanismo é semelhante ao Gilbert, devido a um defeito na produção da enzima glucoronil transferase, porém, na Crigler-Najjar a sua deficiência é muito mais grave. Na síndrome de Crigler-Najjar tipo 1 há praticamente 0% de glucoronil transferase funcionante, enquanto que na síndrome de Crigler-Najjar tipo 2, a sua função é de apenas 10%.
Sintomas da síndrome de Crigler-Najjar
Na síndrome de Crigler-Najjar tipo 1, o recém-nascido já apresenta icterícia persistente logo após o nascimento, podendo desenvolver uma intoxicação cerebral pelo excesso de bilirrubinas, chamada de kernicterus, que pode levar à morte. Enquanto no Gilbert a bilirrubina costuma ficar ao redor de 3 mg/dl, na síndrome de Crigler-Najjar tipo 1 esta pode chegar até 50 mg/dl, ultrapassando em muito o limite da toxicidade.
Na síndrome de Crigler-Najjar tipo 2, o quadro é mais brando e a icterícia pode surgir após alguns anos de vida. A ocorrência de kernicterus é rara e a bilirrubina costuma ficar ao redor de 10 a 20 mg/dl neste grupo.
Tratamento da síndrome de Crigler-Najjar
Na síndrome de Crigler-Najjar tipo 1 o tratamento deve ser instituído logo após o nascimento na tentativa de se evitar a ocorrência do kernicterus.
A fototerapia é um procedimento onde o recém-nascido é colocado durante 12h por dia sob uma luz azul fluorescente que age quebrando a molécula de bilirrubina em pedaços, facilitando a sua excreção na urina e nas fezes. Deste modo, o corpo consegue reduzir seus níveis de bilirrubina indireta sem precisar conjugá-la em direta.
Este tratamento é realizado a longo prazo e quanto mais velha for a criança, menor sua eficácia devido ao fato da pele ir se tornando cada vez mais grossa conforme ela cresce.
Além da fototerapia, a troca frequente do plasma sanguíneo através de um procedimento chamado plasmaferese também é muito importante no controle dos níveis de bilirrubina (leia: PLASMAFERESE – Para que serve e como ela funciona?).
Estes dois tratamentos descritos acima são apenas temporários uma vez que apenas baixam provisoriamente os níveis de bilirrubina, sem atuar na causa da síndrome. Eles são importantes para evitar o aparecimento do kernicterus, porém, o único tratamento definitivo é o transplante de fígado.
Na síndrome de Crigler-Najjar tipo 2, os 10% de ação da glucoronil transferase costumam ser suficientes para não ocorrer o kerniocterus. Porém, se não há evidente risco de morte e de sequelas neurológicas na maioria dos casos, a icterícia costuma ser exuberante e esteticamente indesejável. Nestes casos, pode-se indicar o uso de fenobarbital, uma droga usada como anticonvulsivante mas que também tem como efeito a redução de até 25% dos níveis de bilirrubinas no sangue.
c) Síndrome de Dubin-Johnson
A síndrome de Dubin-Johnson também é uma doença genética que cursa com aumento das bilirrubinas e icterícia sem outras alterações nas análises do fígado. Porém, ao contrário das síndromes de Gilbert e Crigler-Najjar, neste caso a bilirrubina que se acumula é direta (conjugada).
Na síndrome de Dubin-Johnson o fígado consegue conjugar normalmente a bilirrubina indireta em direta, porém, ele é incapaz de secretá-la através da bile para ser eliminada nas fezes.
A síndrome de Dubin-Johnson também é benigna e os níveis de bilirrubinas costumam ser baixos. Não há tratamento específico e o fenobarbital pode ser usado em casos de icterícia mais clínicamente visível.
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