A legionelose, também conhecida como doença do(s) legionário(s), é uma infecção potencialmente grave, provocada por uma bactéria chamada Legionella pneumophila. A legionelose é uma infecção não contagiosa, que costuma ser adquirida através da inalação de partículas água contaminadas com a bactéria Legionella e pode provocar uma pneumonia atípica.
Neste artigo vamos explicar o que é a doença dos legionários, como é a sua transmissão, quais são os seus sintomas e quais são as opções de tratamento.
Vamos abordar apenas a legionelose, uma forma grave de pneumonia atípica. Se você procura informações sobre a forma clássica de pneumonia comunitária, causadas por outras bactérias que não a Legionella pneumophila, acesse o seguinte texto: PNEUMONIA | Sintomas e tratamento
O que é doença do legionário?
A legionelose é uma infecção que só foi reconhecida em 1976, após um surto de pneumonia entre os participantes de uma convenção dos legionários americanos, um grupo formado por veteranos de guerra dos EUA. A convenção foi realizada em um hotel na Filadélfia, cujo sistema de ar condicionado central estava contaminado pela bactéria Legionella pneumophila. Apenas uma semana após a convenção, 130 participantes do evento já tinham sido hospitalizados e 25 tinham falecidos com um estranho quadro de dor torácica, falta de ar, tosse e febre.
A origem da doença só foi reconhecida meses depois, após intensa investigação por parte do departamento de saúde americano. Tanto a doença, quanto o seu agente causador, desconhecidos da ciência até aquele momento, foram batizados em homenagem aos legionários que adoeceram.
A descoberta da Legionella pneumophila e da sua forma de propagação provocou uma radical mudança nos padrões de higiene e segurança dos sistemas de ar-condicionado e de água em geral. Contudo, apesar dos cuidados, dezenas de novos surtos de legionelose continuaram a ocorrer em todo o mundo desde a identificação da doença. Há casos, inclusive, de transmissão dentro de hospitais. Os surtos mais recentes ocorreram em Portugal, Alemanha, Austrália e EUA. O surto mais extenso registrado até o momento ocorreu na Espanha, em 2001, com cerca de 450 casos confirmados.
Desde a sua identificação, o conhecimento acerca da doença dos legionários aumentou consideravelmente. Sabemos hoje que a legionelose se transmite pelo ar, através de gotículas contaminadas de água, e que pode causar grave pneumonia, principalmente em pessoas mais debilitadas, como idosos, imunossuprimidos ou pacientes com doença pulmonar prévia. A bactéria Legionella pneumophila também pode provocar um quadro mais brando, chamado de doença de Pontiac, que se assemelha muito à gripe comum (leia: GRIPE | Sintomas, Tratamentos e Vacina).
Algumas fontes bibliográfica chamam de legionelose qualquer infecção pela Legionella, incluindo as formas brandas. Neste artigo vamos nos referir à forma grave da doença apenas como legionelose ou doença do legionário. A forma branda será sempre chamada de doença de Pontiac. Farei essa distinção para não haver confusão, já que a doença de Pontiac é uma forma benigna, que não cursa com pneumonia nem risco de morte.
Formas de transmissão da doença do legionário
Como já observado no primeiro parágrafo deste artigo, a legionelose não é uma doença contagiosa. Não existe transmissão de uma pessoa para outra, por isso, pacientes internados com legionelose não precisam ficar em isolamento. Se você tem um parente ou amigo diagnosticado com a doença dos legionários, a sua preocupação não deve ser com o contato recente que vocês tiveram, mas sim com o tipo de ambiente em que ambos estiveram presentes recentemente.
A transmissão também não parece ocorrer através da ingestão da água. Não se pega legionelose bebendo água, mas sim aspirando partículas de água contaminadas presentes no ar. Vamos explicar com mais detalhes.
A Legionella pneumophila é uma bactéria que vive em ambientes aquáticos, incluindo lagos e córregos. Porém, nas fontes naturais de águas, a quantidade de Legionella existente é muito pequena, sendo baixo o risco de contaminação. A bactéria parece gostar mesmo é de reservatórios artificiais de água. Locais onde a água fica estocada, com temperaturas amenas (25 a 42ºC), como encanamentos e reservatórios, são ideais para a multiplicação da Legionella. A presença de outros microrganismos aquáticos, tais como algas, amebas, protozoários ciliados e outras bactérias também ajudam a promover o crescimento da Legionella.
Uma enormidade de sistemas de água já foram identificados como potenciais fontes de legionelose. Entre os mais comuns estão sistemas de aquecimento ou arrefecimento de água, ares-condicionados centrais, banheiras de hidromassagem, chuveiros, equipamentos de água sob alta pressão, umidificadores, chafarizes, fontes artificiais, nebulizadores, saunas a vapor, etc. Qualquer ambiente onde haja vaporização ou emissão de partículas de água pode ser uma fonte de contágio, caso, logicamente, a água esteja contaminada com a bactéria.
Só para ilustrar, existem casos descritos de doença do legionário que foram adquiridas por causa de chafariz em lobby de hotel luxuoso, banheiras de hidromassagem em spas e até piscinas de clubes. Alguns casos de legionelose adquiridos em hospitais ocorreram porque o encanamento de água estava colonizado com a bactéria. Há também um caso descrito na Itália de legionelose contraída em um consultório odontológico, através de água contaminada nos instrumentos de alta pressão que o dentista usava para lavar a boca dos pacientes durante os seus procedimentos.
O uso de canos de cobre e a presença de cloro na água reduzem muito o risco de colonização pela Legionella pneumophila. Os sistemas água de grandes estabelecimentos, incluindo edifícios residenciais ou comerciais, shoppings, hospitais, clubes, hotéis, etc., devem passar por controles sistemáticos de qualidade da água dos seus reservatórios e encanamentos. Os surtos costumam ocorrer quando há negligência no controle da qualidade da água em ambientes comunitários. Se o encanamento ou o reservatório de água do seu prédio estiver contaminado, você pode contrair legionelose ao tomar uma simples ducha.
Apesar do quadro assustador que as explicações acima podem estar pintando, o fato é que a legionelose é uma doença relativamente pouco frequente, principalmente se levarmos em conta que bilhões de pessoas no mundo inteiro são expostas diariamente a aerossóis de água. Um estudo recente constatou que na Europa, a taxa de legionelose é de aproximadamente 10 casos por ano para cada 1 milhão de pessoas. No Brasil não existem dados epidemiológicos claros, mas se extrapolarmos a taxa existente na Europa, chegamos a uma estimativa de 2000 casos por ano.
Também é importante destacar que nem todo mundo que é exposto à bactéria Legionella pneumophila acaba desenvolvendo a forma mais grave de doença. A taxa de infecção é de apenas 5%. Portanto, 95% das pessoas expostas à bactéria não desenvolvem a doença do legionário. Dentro desse grupo de 95%, uma boa parte apresenta doença de Pontiac, que acaba passando despercebida, como se fosse uma gripe comum
A legionelose é incomum em pessoas jovens e sadias. Os principais fatores de risco para a doença dos legionários é o tabagismo e a doença pulmonar obstrutiva crônica – DPOC (leia: DPOC | Enfisema pulmonar e bronquite crônica). Idade acima de 55 anos, consumo excessivo de álcool, diabetes mellitus ou imunossupressão (HIV, quimioterapia, uso de corticoides…) também são fatores que facilitam o surgimento da doença.
Sintomas da doença do legionário
A pneumonia é a manifestação mais típica da doença dos legionários. O período de incubação é, em média, de 2 a 10 dias.
Nos primeiros dias de doença, o quadro costuma ser brando, com tosse seca, mal estar, dor muscular e dor de cabeça, semelhante à qualquer virose respiratória comum. A partir do segundo dia, o quadro começa a se agravar. A tosse torna-se mais intensa e a expectoração pode vir acompanhada de sangue (leia. TOSSE E ESCARRO COM SANGUE | Principais causas). O quadro evolui com febre alta, geralmente acima de 39ºC, dor torácica, falta de ar e prostração. Sintomas gastrointestinais também podem estar presentes, incluindo diarreia, vômitos e dor abdominal.
Laboratorialmente, o paciente pode ter aumento do número de leucócitos no sangue, alterações da função renal (leia: EXAME DA CREATININA E UREIA), alterações das provas função hepática (leia: O QUE SIGNIFICAM TGO, TGP, GAMA GT e BILIRRUBINA?) e hiponatremia (níveis baixos de sódio no sangue). Sangue na urina também é comum, mas ele costuma ser microscópico, só detectável através do exame de urina (leia: EXAME DE URINA | Leucócitos, nitritos, hemoglobina?).
Os pacientes com legionelose frequentemente precisam ser internados e a taxa de mortalidade varia entre 5 a 30%.
Doença de Pontiac
A doença de Pontiac, como já explicado, é uma infecção bem mais benigna. A bactéria causadora é a mesma, mas o quadro clínico é completamente diferente.
Ao contrário da doença dos legionários, a doença de Pontiac tem um período de incubação bem mais curto, entre 1 a 3 dias. O quadro clínico é de febre, mal estar e dor de cabeça. Tosse com expectoração não costuma ocorrer e os pacientes não desenvolvem pneumonia. Raramente há necessidade de hospitalização e a infecção se cura espontaneamente em 100% dos casos.
Diagnóstico da legionelose
O diagnóstico rápido da doença do legionário é essencial, uma vez que o início precoce do tratamento adequado está claramente associado a uma melhor evolução do quadro.
O nível de suspeição deve ser alto, uma vez que a Legionella pneumophila não costuma ser identificada nos exames habitualmente feitos para diagnosticar pneumonias comuns.
Para o diagnóstico da doença do legionário, dois exames costumam ser solicitados:
– Pesquisa de antígenos solúveis na urina.
– Cultura das secreções respiratórias.
Ambos os exames citados acima não fazem parte da investigação inicial de quadros de pneumonia comum. Portanto, se o médico não pensar em legionelose, ele não fará o diagnóstico precocemente, pois não irá solicitar os exames necessários para tal.
Tratamento da doença do legionário
O tratamento da pneumonia por legionella deve ser feito com antibióticos. Conforme já referido, quanto mais cedo o antibiótico foi iniciado, maior é a chance de sucesso do tratamento. Em casos mais leves, o paciente pode ser tratado com antibióticos por via oral em casa. Nos casos mais graves, internação hospitalar faz-se necessária e o tratamento com antibióticos é feito por via intravenosa.
Os dois antibióticos mais usados para o tratamento da doença do Legionário são o levofloxacino ou a azitromicina (leia: AZITROMICINA | Indicações e efeitos colaterais). Em ambos os casos, o tratamento é feito por 7 a 10 dias. Nos pacientes imunossuprimidos, ou naqueles com quadro muito grave, podem ser necessários 21 dias de antibioticoterapia.
Os pacientes com doença de Pontiac, ou seja, sem pneumonia pela Legionella, não precisam de hospitalização nem de antibióticos. A infecção se comporta como uma virose comum e cura-se espontaneamente após poucos dias, sem deixar qualquer tipo de sequela.
Até o momento não existe vacina contra a Legionella.
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