As estatinas são um grupo de medicamentos muito utilizados no tratamento do colesterol alto. Entre as drogas mais conhecidas deste grupo, podemos citar a sinvastatina, rosuvastatina, pravastatina e atorvastatina.
As estatinas, além de serem as drogas mais efetivas no controle do colesterol, são também aquelas com melhores resultados nos estudos científicos sobre prevenção das doenças cardiovasculares, sendo, por isso, atualmente prescritas para dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo.
Apesar de serem drogas efetivas e seguras, cerca de 5% a 10% dos pacientes desenvolvem miopatia (lesão muscular), caracterizada clinicamente por dor muscular, fraqueza e/ou câimbras. Pacientes medicados com doses elevadas são aqueles com maior risco.
As queixas de origem muscular são o principal efeito colateral das estatinas e a causa mais comum de interrupção do tratamento.
Neste artigo vamos fazer uma revisão sobre a miopatia pelas estatinas, abordando os seus sintomas, fatores de risco e opções de tratamento.
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O papel da creatinofosfoquinase (CPK ou CK)
A gravidade de uma lesão muscular é definida não só pelos sintomas, que incluem dor e perda de força muscular, mas também por alterações nos exames laboratoriais.
As células dos músculos são ricas em uma enzima chamada creatinofosfoquinase, mais conhecida pelas siglas CK ou CPK. Quando há injúria do tecido muscular, parte da enzima CK contida nos músculos extravasa para o sangue, fazendo com que o níveis sanguíneos de CK elevem-se. Enquanto pequenos aumentos da CK podem ocorrer em situações benignas, como após intenso esforço físico, grandes elevações dos níveis sanguíneos são um sinal de grave doença muscular.
O valor de referência da CK costuma variar de acordo com cada laboratório. Em geral, o limite superior da normalidade encontra-se ao redor de 100 a 200 U/L. Toda vez que o valor da CK encontra-se pelo menos 3 vezes acima do valor normal, dizemos que o paciente tem mionecrose (morte de células musculares).
A gravidade da mionecrose costuma ser dividida da seguinte forma:
- Lesão muscular leve: CK elevada de 3 a 9 vezes o valor normal.
- Lesão muscular moderada: CK elevada de 10 a 50 vezes o valor normal.
- Lesão muscular grave: CK elevada mais de 50 vezes o valor normal.
Portanto, um paciente com CK ao redor de 400 ou 500 U/L tem apenas uma lesão muscular leve, ao passo que um paciente com níveis de CK ao redor de 70.000 U/L tem uma grave e extensa lesão muscular. Se além da mionecrose, o paciente também apresentar perda de proteínas musculares na urina, evento chamado de mioglobinúria, dizemos que ele tem rabdomiólise, um quadro grave, que pode levar à insuficiência renal aguda.
As estatinas geralmente provocam lesão muscular leve, com pequenas elevações dos valores da CK. Porém, cerca de 1 em cada 1000 pacientes medicados com essas drogas pode desenvolver moderada ou grave lesão muscular com rabdomiólise.
Sintomas da miopatia pela estatina
As estatinas podem provocar um constelação de sintomas musculares, que incluem: desconforto, rigidez, cansaço, aumento da sensibilidade, fraqueza ou câimbras. Em geral, os sintomas surgem após algum esforço físico, mas podem também estar presentes mesmo em repouso.
A intensidade dos sintomas nem sempre está diretamente relacionada ao nível sanguíneo da CK. Alguns pacientes com muita dor podem ter níveis baixos ou até normais de CK, enquanto outros com queixas leves a moderadas podem ter taxas bem elevadas. Sem fazer a dosagem da CK sanguínea não dá para definir com precisão o grau de lesão muscular. Por isso, todo paciente em uso de estatina que inicia quadro de dor muscular deve fazer um exame de sangue para saber o grau de elevação da CK.
O sintoma mais comum da miopatia das estatinas é a dor muscular (mialgia), que pode ou não vir acompanhada de redução da força. Em geral, a lesão muscular pelas estatinas provoca um quadro de dor e fraqueza, que nos membros inferiores acomete de forma simétrica os músculos da pelve e de ambas as coxas, e nos membros superiores ataca os músculos ao redor da escápula, clavícula e porção inicial dos braços (veja ilustração ao lado).
A perda de força muscular da miopatia das estatinas pode fazer com que o paciente tenha dificuldade para erguer os braços acima da cabeça, levantar-se de uma cadeira ou subir escadas. Estes sintomas também podem ser descritos pelo paciente como fadiga ou cansaço dos membros.
Habitualmente, a miopatia das estatinas desenvolve-se nos primeiros 6 meses de uso do medicamento, mas há casos de pacientes que só foram desenvolvê-la após alguns anos de uso da droga.
Complicações da miopatia pela estatinas
A lesão muscular pelas estatinas ocorre em cerca de 5 a 10% dos usuários, e, mesmo assim, a grande maioria dos casos é de forma leve, sem grandes prejuízos à saúde do paciente.
Apesar da raridade, podem haver casos de lesão muscular grave pelas estatinas. O quadro de rabdomiólise é o mais perigoso, pois as proteínas dos músculos podem entupir os túbulos renais, levando à insuficiência renal aguda. Não é incomum que os pacientes com rabdomiólise precisem de tratamento com hemodiálise por alguns dias (leia: O QUE É HEMODIÁLISE).
Fatores de risco para miopatia pela estatina
Como já referido, apesar da lesão muscular ser o efeito colateral mais comum das estatinas, ela é um problema que acomete somente alguns usuários.
Ainda não compreendemos totalmente os mecanismos que levam as estatinas a serem tóxicas para os músculos de certos indivíduos, mas alguns fatores de risco já são bem conhecidos, conforme explicaremos a seguir.
Características das estatinas
O risco de lesão muscular não igual para todas as estatinas e aumenta conforme a dose. A pravastatina e a fluvastatina parecem ser as drogas deste grupo com menor incidência de dor muscular. A dose de 40 mg por dia da pravastatina mostrou-se bastante segura e com baixa incidência de lesão muscular. A rosuvastatina na dose de 20 mg/dia também tem se mostrado segura nos estudos, porém, doses a partir de 40 mg/dia têm sido apontadas como responsáveis por quadros de rabdomiólise.
Hipotireoidismo
Como os pacientes com hipotireoidismo frequentemente têm níveis elevados de colesterol, não é incomum a prescrição de estatinas neste grupo de pacientes. O problema é que hipotireoidismo por si só pode causar miopatia, e quando associado a uma estatina, o risco torna-se ainda maior.
O controle clínico do hipotireoidismo através de medicamentos com a levotiroxina diminui o risco de dor muscular (leia: LEVOTIROXINA (Puran T4) ? Indicações e efeitos colaterais).
Características do paciente
Fatores genéticos parecem ter um papel relevante na gênese da miopatia pelas estatinas. Este é o motivo pelo qual em uma mesma família é frequente a ocorrência de miopatia em mais de uma pessoa.
Mulheres e indivíduos com mais de 60 anos também apresentam maior risco. Outros fatores que podem influenciar são o consumo frequente de bebidas alcoólicas, atividade física intensa, carência de vitamina D, desidratação e existência de doença dos rins ou do fígado. Pessoas com histórico de câimbras frequentes também apresentam maior risco de miopatia pelas estatinas.
Interação medicamentosa
Um dos fatores que mais influenciam no aparecimento de lesão muscular pelas estatinas é a associação com outras drogas. A sinvastatina e a lovastatina são as estatinas que mais sofrem interação medicamentosa capaz de provocar miopatia. A atorvastatina, a rosuvastatina e a pitavastatina também podem sofrer interação de alguns medicamentos, mas com uma frequência um pouco menor.
Medicamentos tais como: amiodarona, fluconazol, cetoconazol, itraconazol, ciclosporina, gemfibrozil, varfarina, verapamil, amlodipina, eritromicina, claritromicina, ritonavir, colchicina e niacina aumentam de forma relevante o risco de lesão muscular pelas estatinas. Se possível, essa associação deve ser evitada.
A lista fornecida acima está muito longe de estar completa, portanto, se você toma vários medicamentos e apresenta dor muscular pela estatina, dê uma olhada na bula do medicamento para ver se há alguma interação medicamentosa que possa estar desencadeando as dores.
O que fazer com o paciente que tem dor muscular pela estatina
Como não há no mercado drogas tão efetivas quanto as estatinas na prevenção da doença cardiovascular, a decisão sobre a suspensão ou não do tratamento deve ser bem ponderada. Drogas como o ezetimibe não são tão eficazes quanto as estatinas e não devem ser encaradas como um substituto à altura. O ezetemibe pode até ser utilizado junto com a estatina, de forma a permitir uma dosagem menor desta última.
Os raros pacientes que desenvolvem grave lesão muscular devem interromper definitivamente o tratamento com as estatinas, pois o risco para a saúde é maior que o potencial benefício da droga. Tratamos como miopatia grave toda a miopatia com uma elevação da CK maior que 10 vezes o valor de referência (CK maior que 1500-2000 U/L na maioria dos laboratórios).
Nos casos que não se enquadram no conceito de miopatia grave, que são, na verdade, a maioria, existem algumas estratégias que podem ser implementadas.
1- problemas a corrigir
O primeiro ponto é identificar possíveis interações medicamentosas que possam estar aumentando o risco de lesão muscular. A associação de uma estatina com o gemfibrozil, apesar de não indicada, ainda é muito utilizada por alguns médicos, quando o objetivo é baixar os níveis de triglicerídeos (leia: O QUE SÃO OS TRIGLICERÍDEOS?). Se o paciente tiver colesterol e triglicerídeos altos, e a estatina sozinha não estiver sendo suficiente para controlar os valores, o medicamento com menos risco de miopatia é o fenofibrato.
Além da revisão dos medicamentos que o paciente usa, também é importante uma avaliação da função da tireoide. Em muitos casos, uma simples otimização do tratamento do hipotireoidismo é suficiente para controlar as dores musculares.
A dosagem dos níveis de vitamina D sanguínea também está indicada. Se os valores estiverem baixos, a reposição, que pode ser feita de forma bem simples e barata, costuma amenizar as dores.
2- Alterações na estatina
Não havendo problemas a corrigir, o próximo passo é tentar otimizar o tratamento com as estatinas. Nos pacientes que fazem doses elevadas de estatina, a simples redução da dose diária pode ser suficiente. Se for preciso, o médico pode associar uma droga como o ezetimibe, para que o valor do colesterol LDL não volte a subir após a redução da estatina.
Doses de estatinas consideradas moderadas são: 40 mg de lovastatina, pravastatina ou sinvastatina; 20 mg de atorvastatina; ou 10 mg de rosuvastatina. Apenas os pacientes que já tiveram um infarto anteriormente ou que apresentam risco muito elevado de infarto costumam ter indicação para doses mais altas de estatinas, geralmente 40 mg/dia de atorvastatina ou 20 mg/dia de rosuvastatina.
Uma alternativa é o uso das estatinas em dias alternados. A rosuvastatina em doses até 20 mg/dia pode ser tomada 3 vezes por semana, que ainda mantém uma boa ação contra o LDL.
Outra opção é trocar de estatina. Como já referido, a pravastatina e a fluvastatina costumam ter um incidência mais baixa de miopatia e podem ser a solução, principalmente para os pacientes em uso de sinvastatina ou lovastatina, que são as estatinas que mais frequentemente causam dor muscular.
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