Todo mundo já ouviu falar que não devemos consumir bebidas alcoólicas se estivermos tomando algum tipo de antibiótico. Entre os propagados motivos para que essa combinação seja evitada estão a perda de eficácia do antibiótico, o aumento da toxicidade do álcool, a ocorrência de efeitos colaterais e até um maior risco de lesões do fígado.
Uma simples busca no Google pelos termos “bebidas alcoólicas e antibióticos” nos permite encontrar dezenas de sites que pregam a abstenção irrestrita do álcool para os pacientes que estão sob tratamento antibiótico. Muitos desses sites citam médicos e trazem supostas explicações científicas para o risco dessa associação.
Infelizmente, a Internet está cheia de artigos pseudocientíficos, que aos olhos da população leiga podem parecer muito bem embasados, mas que carecem de evidências científicas mínimas para defender os seus pontos de vista.
À luz do atual conhecimento científico, não existe uma resposta única para a pergunta: “quem está tomando antibióticos pode beber?“. Para que essa resposta seja dada de forma correta, nós precisamos saber qual é o antibiótico que está sendo tomado, que infecção está sendo tratada, qual é o estado clínico do paciente e qual é a quantidade de álcool que o indivíduo pretende tomar.
Para resumir em apenas uma frase tudo o que será explicado neste artigo, podemos dizer que para a maioria dos pacientes e para a maioria das classes de antibióticos, não há nenhum problema em ingerir bebidas alcoólicas de forma moderada durante o curso dos antibióticos.
O nosso texto será divido nos seguintes tópicos:
- Por que a mistura entre álcool e antibióticos pode não ser uma boa ideia.
- Antibióticos que CONTRAINDICAM o consumo de álcool.
- O que é o efeito dissulfiram.
- Antibióticos que PERMITEM o consumo de álcool de forma moderada.
- Situações clínicas que devem desencorajar a mistura de álcool e antibióticos.
Por que a mistura entre álcool e antibióticos pode não ser uma boa ideia
Quantidades moderadas e ocasionais de álcool, como o consumo social de 2 taças de vinho ou 2 latinhas de cerveja (ou 1 dose de bebida destilada), não provocam nenhuma interferência no efeito da maioria dos antibióticos. Na verdade, mesmo doses mais elevadas de álcool não costumam cortar o efeito do antibiótico. O problema, conforme veremos a seguir, são os efeitos colaterais e a ação do álcool no sistema imunológico.
– O QUE É ALCOOLISMO | Consumo excessivo de álcool
– INTERAÇÃO DO ÁLCOOL COM REMÉDIOS E ENERGÉTICOS
– EFEITOS DO ÁLCOOL | Tratamento do alcoolismo
Em princípio, a ideia de que faz-se necessária uma abstinência total durante o tratamento antibiótico é um mito. E isso não é uma opinião pessoal, a própria associação médica britânica (BMA) não impõe qualquer restrição à associação do álcool com a maioria dos antibióticos (as exceções serão explicadas mais à frente). O interessante é que esse mito é bastante comum mesmo entre os médicos. Um estudo na Grã-Bretanha mostrou que até 76% dos médicos pesquisados acham que a mistura de álcool com antibióticos deve ser proibida em todos os casos, sem exceção.
É importante destacar, porém, que mesmo que o consumo de bebidas alcoólicas não seja proibido durante o uso da maioria dos antibióticos, essa mistura, principalmente em altas doses, não é propriamente uma ação isenta de consequências.
O álcool é uma substância muito irritante para a mucosa gastrointestinal, e como alguns antibióticos comuns, tais como a amoxicilina e azitromicina, levam frequentemente a quadros de náuseas, vômitos, dor abdominal ou diarreia, a mistura de doses elevadas de álcool com antibióticos é desaconselhada por potencializar esses efeitos adversos. Se você está doente e tomando antibióticos, é muito mais provável que o álcool provoque efeitos adversos.
Outro potencial problema desta associação é o fato dos pacientes que precisam de antibióticos serem aqueles que estão com alguma infecção e, portanto, precisando de um sistema imunológico competente para combatê-la. Uma ou duas cervejas eventualmente não atrapalham em nada a capacidade do organismo de combater infecções, mas quantidades elevadas de álcool, podem, sim, prejudicar a ação do sistema imunológico, dificultando a cura da doença.
Outro ponto que deve ser destacado é o fato do álcool ser uma substância que é metabolizado no fígado pelas mesmas vias enzimáticas que metabolizam alguns dos antibióticos. O consumo excessivo e repetido de álcool pode deixar o fígado “ocupado” processando o excesso de álcool, fazendo com que o antibiótico não seja adequadamente metabolizado. Esse fato pode provocar não só redução da ação dos antibióticos, mas também o acúmulo de metabólitos tóxicos dos mesmos, aumentando a incidência de efeitos colaterais.
Resumindo, você pode até tomar sua cervejinha ou a habitual taça de vinho durante uma refeição, mesmo que esteja sob tratamento antibiótico. Porém, se você está doente, é sensato que evite o consumo de álcool, assim como o cigarro, o excesso de esforço físico, a má-alimentação, dormir poucas horas por noite e a exposição solar exagerada. Não há, portanto, na maioria dos casos, uma contraindicação formal, é apenas uma questão de bom senso.
Antibióticos que contraindicam o consumo de álcool
Apesar da associação de álcool e antibióticos ser segura na maioria dos casos, há exceções importantes. Algumas classes de antibióticos podem sofrer relevante interação, mesmo com doses baixas de álcool. Já outras, como o metronidazol e o tinidazol, podem causar graves efeitos colaterais, conhecidos como efeito dissulfiram (explico mais à frente o que é esse efeito).
Portanto, se você sente-se bem, tem uma festa programada para o fim de semana, deseja beber de forma responsável, mas está na reta final de um tratamento com antibióticos, a melhor opção é pesquisar se o seu antibiótico enquadra-se no pequeno grupo de medicamentos que contraindicam o consumo de bebidas alcoólicas.
Os antibióticos que NÃO podem de forma alguma ser misturados com álcool são aqueles que podem causar o efeito dissulfiram. São eles:
– Metronidazol.
– Tinidazol.
– Cefotetan.
Mesmo o metronidazol ou o tinidazol em creme para aplicação vaginal podem causar efeito dissulfiram. É importante ter atenção que muitos cremes ginecológicos podem ter 2 ou 3 substâncias diferentes na sua composição, sendo o metronidazol ou o tinidazol um deles.
Para evitar a ocorrência do efeito dissulfiram, o paciente deve estar há pelo menos 72 horas sem tomar os antibióticos para poder consumir qualquer bebida alcoólica.
Raramente, o antibiótico sulfametoxazol + trimetoprim, conhecido como Bactrim, pode também causar efeito dissulfiram. Em geral, isso só ocorre se o paciente abusar nas bebidas alcoólicas. Todavia, por segurança, apesar de ser raro, se você estiver tomando Bactrim, o mais seguro é evitar bebidas alcoólicas.
Além dos antibióticos, outras drogas usadas no tratamento de infecções, como antivirais, antiparasitários e antifúngicos também podem provocar efeitos colaterais se misturados com o álcool. Entre eles, o mais importantes são:
– Griseofulvina (antifúngico): pode causar efeito dissulfiram.
– Voriconazol (antifúngico): interfere com o efeito do antifúngico.
– Cetoconazol (antifúngico): aumenta o risco de lesão do fígado.
– Didanosina (antirretroviral): aumenta o risco de pancreatite.
Outros efeitos colaterais da associação do álcool com antibiótico
Os antibióticos citados acima são aqueles que podem causar as reações mais graves, caso ingeridos junto com álcool. Porém, ainda existem mais alguns antibióticos que podem causar outros tipos de reação, e, por isso, também deve ser evitada a sua associação com bebidas alcoólicas. São eles:
– Linezolida: pode causar crise hipertensiva se consumido junto com bebidas alcoólicas ricas em tirosina, como cerveja ou vinho tinto.
– Isoniazida, rifampicina ou pirazinamida: essas drogas possuem um risco aumentado de toxicidade hepática (lesão do fígado), por isso, o uso de álcool, principalmente de forma frequente, deve ser desencorajado.
– Eritromicina ou doxiciclina: o álcool pode reduzir a eficácia do antibiótico.
O que é o efeito dissulfiram
O dissulfiram, vendido comercialmente sob o nome Antabuse, é uma substância usada no tratamento do alcoolismo. O dissulfiram impede que o fígado metabolize os metabólitos mais tóxicos do álcool, aumentando em até 10 vezes a sua toxicidade para o organismo. Quando o paciente toma álcool, mesmo em pequenas doses, ele se intoxica rapidamente e sente os efeitos colaterais, tais como vômitos, palpitações, calor, suor excessivo, dificuldade respiratória, intensa dor de cabeça e queda da pressão arterial. O paciente sente-se muito desconfortável, como se estivesse à beira de um colapso, por isso, não consegue continuar bebendo. Se o paciente insistir em beber álcool, a droga pode levar ao coma ou à morte.
– O QUE É A RESSACA?
Os antibióticos citados no tópico anterior, principalmente o metronidazol e o tinidazol, podem causar um efeito semelhante ao do dissulfiram. Portanto, o consumo de álcool deve ser fortemente desencorajado durante as 24 horas que antecedem o início do tratamento até 72 horas depois do fim do tratamento antibiótico.
Antibióticos que permitem o consumo de álcool de forma moderada
Até o momento, nós citamos 10 antibióticos que não devem ser misturados com álcool. Se você está tomando algum antibiótico que não foi citado acima, não há evidências científicas que contraindiquem o uso moderado de álcool durante o tratamento.
– ANTIBIÓTICOS | Tipos, resistência e indicações
– DIFERENÇAS ENTRE ANTIBIÓTICOS E ANTI-INFLAMATÓRIOS
Para sermos mais precisos, não há contraindicação formal ao consumo de álcool em pequenas doses para quem está usando amoxicilina, azitromicina, ciprofloxacino, levofloxacino, penicilina, cefalexina, ceftriaxona e outros antibióticos comuns.
Situações clínicas que devem desencorajar a mistura de álcool e antibióticos
Conforme discutimos no início do texto, o fato de não haver contraindicações formais para o uso de álcool e certos tipos de antibióticos não significa que esta associação seja totalmente segura. Lembre-se, o paciente sob tratamento antibiótico está doente, e abusar no álcool não lhe fará nenhum bem.
Se o paciente estiver com alguma infecção grave ou potencialmente grave, é óbvio que o consumo de álcool deve ser evitado, mesmo que a bebida não tenha nenhuma interação direta com o antibiótico em curso. A questão não é o antibiótico em si, mas sim a doença. O mesmo raciocínio vale para os pacientes com algum problema no fígado, mesmo que temporário, pois a associação álcool-antibiótico pode aumentar a hepatoxicidade de ambos.
Estudos mostram que pacientes em tratamento para doenças sexualmente transmissíveis (DST) apresentam maior risco de terem relações sexuais desprotegidas antes do fim do curso dos antibióticos (antes de estarem curados, portanto), caso consumam bebidas alcoólicas. Esse comportamento coloca em risco outras pessoas e favorece a propagação das doenças venéreas. Por isso, todo paciente com DST em tratamento deve evitar o consumo de álcool.
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